quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Tropicalismo: apontamentos.

A música sempre esteve ligada a eventos políticos, são fortes as conexões entre ambas e a intensidade que cada uma age sobre a outra variou muito em toda a história.
 No movimento conhecido como “tropicalista” a música digladiou contra usos e costumes da cultura brasileira, contra o regime político vigente, contra a conduta da sociedade, o movimento trazia em si a quebra de padrões tão solidificados no campo da cultura segundo Torquato Neto:

Um grupo de intelectuais – cineastas, jornalistas, compositores, poetas e artistas plásticos – resolveu lançar o tropicalismo. O que é? Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido. Eis o que é.[1]

 O termo Tropicália criado por Hélio Oiticica serviu também para o título do álbum de 1968. Participaram do movimento Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Capinan, Gal Costa, Rogério Duarte, Torquato Neto. Rogério Duprat, Júlio Medaglia, e Daminiano Cozzella. Os Mutantes. Hélio Oiticica, José Celso Martinez Corrêa e Glauber Rocha. Os principais fomentadores dos ideais tropicalistas foram Caetano e Gil.
Como propõe Caetano Veloso em música homônima: “eu organizo o movimento eu oriento o carnaval...” e de fato o movimento tropicalista teve breve duração (1967-1968) e imensa repercussão, mesmo após o exílio de Caetano e Gil as músicas reverberaram em território nacional.
Algumas definições de Tropicalismo podem ser dadas, Helio Oiticica propõe que tropicália “é a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor uma imagem obviamente ‘brasileira’ ao contexto atual da vanguarda e das manifestações em geral de arte nacional”.[2]
Ou ainda nas palavras de Caetano Veloso afirmando que tropicalismo é a “tentativa de superar nosso subdesenvolvimento partindo exatamente do elemento ‘cafona’ da nossa cultura, fundindo ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como as guitarras e as roupas de plásticos”.
Em primeira instância o movimento tropicalista causou furor por utilizar a guitarra elétrica, num momento em que a utilização desse instrumento parecia quebrar com o conservadorismo da música brasileira e da utilização do violão. A extravagância das vestimentas feria os olhos tão acostumados também a um determinado conservadorismo das vestimentas tão cristalizado desde os anos de 1910.

Gilberto Gil descrevia assim, em 1968, as pessoas que reagiram ao uso do rock e das guitarras elétricas por parte do tropicalismo: “Sabia o tipo de gente que estava lá: jovens ligados ao movimento universitário, com um condicionamento ideológico ante a música, uma turma comprometida com chavões sociais”. O tropicalismo lutava contra esses chavões: “era preciso desmitificar aquela coisa nazista no sentido isolado e aquela abstração no sentido nacional de brasilidade”.[3]

A apresentação de Caetano Veloso no Festival da Canção da TV Record em 1967, quebrou com paradigmas da música brasileira, Caetano foi acompanhado por uma banda de rock chamada os Beats Boys, a canção que ganhou o quarto lugar tinha por título Alegria, alegria e expunha o Brasil de muitos brasileiros, diferente do Brasil tão romantizado da bossa nova de maneira caricatural Caetano aponta a embriaguez da nossa nação: “O sol na banca de revista, me enche de alegria e preguiça, quem lê tanta notícia?”, “Sem livros e sem fuzil, sem fome, sem telefone no coração do Brasil
O tropicalismo enquanto letra vai confrontar elementos da tragicomédia e ainda o nacional X internacional, urbano X rural, vai reunir elementos arcaicos e modernos.
A tragicomédia é bem exemplificada com a canção Domingo no parque em que José (o rei da brincadeira), feirante briga no parque de diversões com João (o rei da confusão), que trabalhava na construção. José assassina José ao vê-lo no parque com sua namorada, o arranjo orquestral inicial da música é apresentado também no final sugerindo a continuidade da vida, como se nada tivesse acontecido.
O tropicalismo vai se utilizar de elementos antropofágicos que desde os anos de 1920 estavam presentes na sociedade, esse antropofagismo está claro na assimilação de toda uma cultura importada para a criação de uma cultura nacionalizada, negando o folclore e deglutindo folclore, assimilando a brasilidade, de certa forma, e recriando a brasilidade, mexendo com os gostos da sociedade.
As canções do tropicalismo estão conectadas ao movimento da poesia concreta dos irmãos Augusto e Aroldo de Campos, como se pode perceber na canção Bat Macumba de Gilberto Gil que a poesia vai se reduzindo até seu embrião Bat e se reconstruindo novamente.
A conexão do tropicalismo com a política vai surgir (não somente aqui, mas explicitamente aqui), na canção Soy loco por ti América em que Caetano mostra sua admiração por Guevara e como aponta Ridenti o tropicalismo se mostra afinado com a guerrilha e com a esquerda armada na canção Enquanto seu lobo não vem.
Como expõe Ridenti:

Em verdade tropical, Caetano fala da simpatia “íntima e mesmo secreta por Marighella e os iniciadores da luta armada”, que “não era do conhecimento nem dos radicais nem dos conservadore”. Fala da “violência sagrada dos que partiram para a luta armada e da violência maldita dos que detinham o terrorismo oficial”.[4]

Outro ponto importante da conexão da esquerda com o tropicalismo é a canção Alfômega, cantada por Caetano e que ao fundo um canto não articulado de Gil menciona o nome de Marighella. Essa canção teria sido escutada diversas vezes por presos políticos do presídio Tiradentes.
Enquanto manifestação artística o tropicalismo foi completo, conseguiu se estabelecer no campo da arte, poesia, música e se estabelecer frente ao regime político vigente, diferente de outros momentos em que música servia em função do entretenimento, o tropicalismo se completa enquanto movimento político e arte.

  
BIBLIOGRAFIA

RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2000.

TINHORÃO, José Ramos. História Social  da Música Popular Brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.
 VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Zahar: Ed. URFJ, 2010.


[1] RIDENTI, 2000, p. 273
[2] Ibidem, 2000, p. 272.
[3] VIANNA, 2010, p. 133.
[4] RIDENTI, 2000, p. 279.

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