A música sempre esteve ligada a eventos políticos, são fortes as conexões
entre ambas e a intensidade que cada uma age sobre a outra variou muito em toda
a história.
No movimento conhecido como
“tropicalista” a música digladiou contra usos e costumes da cultura brasileira,
contra o regime político vigente, contra a conduta da sociedade, o movimento
trazia em si a quebra de padrões tão solidificados no campo da cultura segundo
Torquato Neto:
Um grupo de intelectuais
– cineastas, jornalistas, compositores, poetas e artistas plásticos – resolveu
lançar o tropicalismo. O que é? Assumir completamente tudo que a vida dos
trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice
ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra,
ainda desconhecido. Eis o que é.[1]
O termo Tropicália criado por Hélio Oiticica serviu também para o título do
álbum de 1968. Participaram do movimento Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé,
Capinan, Gal Costa, Rogério Duarte, Torquato Neto. Rogério Duprat, Júlio
Medaglia, e Daminiano Cozzella. Os Mutantes. Hélio Oiticica, José Celso
Martinez Corrêa e Glauber Rocha. Os principais fomentadores dos ideais
tropicalistas foram Caetano e Gil.
Como propõe Caetano Veloso em música homônima: “eu organizo o movimento
eu oriento o carnaval...” e de fato o movimento tropicalista teve breve duração
(1967-1968) e imensa repercussão, mesmo após o exílio de Caetano e Gil as
músicas reverberaram em território nacional.
Algumas definições de Tropicalismo podem ser dadas, Helio Oiticica propõe
que tropicália “é a primeiríssima tentativa consciente, objetiva, de impor uma
imagem obviamente ‘brasileira’ ao contexto atual da vanguarda e das
manifestações em geral de arte nacional”.[2]
Ou ainda nas palavras de Caetano Veloso afirmando que tropicalismo é a “tentativa
de superar nosso subdesenvolvimento partindo exatamente do elemento ‘cafona’ da
nossa cultura, fundindo ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como
as guitarras e as roupas de plásticos”.
Em primeira instância o movimento tropicalista causou furor por utilizar
a guitarra elétrica, num momento em que a utilização desse instrumento parecia
quebrar com o conservadorismo da música brasileira e da utilização do violão. A
extravagância das vestimentas feria os olhos tão acostumados também a um
determinado conservadorismo das vestimentas tão cristalizado desde os anos de
1910.
Gilberto Gil descrevia
assim, em 1968, as pessoas que reagiram ao uso do rock e das guitarras elétricas
por parte do tropicalismo: “Sabia o tipo de gente que estava lá: jovens ligados
ao movimento universitário, com um condicionamento ideológico ante a música,
uma turma comprometida com chavões sociais”. O tropicalismo lutava contra esses
chavões: “era preciso desmitificar aquela coisa nazista no sentido isolado e
aquela abstração no sentido nacional de brasilidade”.[3]
A apresentação de Caetano Veloso no Festival da Canção da TV Record em
1967, quebrou com paradigmas da música brasileira, Caetano foi acompanhado por
uma banda de rock chamada os Beats Boys,
a canção que ganhou o quarto lugar tinha por título Alegria, alegria e expunha o Brasil de muitos brasileiros,
diferente do Brasil tão romantizado da bossa nova de maneira caricatural
Caetano aponta a embriaguez da nossa nação: “O sol na banca de revista, me enche de alegria e preguiça, quem lê
tanta notícia?”, “Sem livros e sem
fuzil, sem fome, sem telefone no coração do Brasil”
O tropicalismo enquanto letra vai confrontar elementos da tragicomédia e
ainda o nacional X internacional, urbano X rural, vai reunir elementos arcaicos
e modernos.
A tragicomédia é bem exemplificada com a canção Domingo no parque em que José (o rei da brincadeira), feirante
briga no parque de diversões com João (o rei da confusão), que trabalhava na
construção. José assassina José ao vê-lo no parque com sua namorada, o arranjo
orquestral inicial da música é apresentado também no final sugerindo a
continuidade da vida, como se nada tivesse acontecido.
O tropicalismo vai se utilizar de elementos antropofágicos que desde os
anos de 1920 estavam presentes na sociedade, esse antropofagismo está claro na
assimilação de toda uma cultura importada para a criação de uma cultura
nacionalizada, negando o folclore e deglutindo
folclore, assimilando a brasilidade, de certa forma, e recriando a brasilidade,
mexendo com os gostos da sociedade.
As canções do tropicalismo estão conectadas ao movimento da poesia
concreta dos irmãos Augusto e Aroldo de Campos, como se pode perceber na canção
Bat Macumba de Gilberto Gil que a
poesia vai se reduzindo até seu embrião Bat
e se reconstruindo novamente.
A conexão do tropicalismo com a política vai surgir (não somente aqui,
mas explicitamente aqui), na canção Soy
loco por ti América em que Caetano mostra sua admiração por Guevara e como
aponta Ridenti o tropicalismo se mostra afinado com a guerrilha e com a
esquerda armada na canção Enquanto seu
lobo não vem.
Como expõe Ridenti:
Em verdade tropical, Caetano fala da simpatia “íntima e mesmo secreta
por Marighella e os iniciadores da luta armada”, que “não era do conhecimento
nem dos radicais nem dos conservadore”. Fala da “violência sagrada dos que
partiram para a luta armada e da violência maldita dos que detinham o
terrorismo oficial”.[4]
Outro ponto importante da conexão da esquerda com o tropicalismo é a
canção Alfômega, cantada por Caetano
e que ao fundo um canto não articulado de Gil menciona o nome de Marighella.
Essa canção teria sido escutada diversas vezes por presos políticos do presídio
Tiradentes.
Enquanto manifestação artística o tropicalismo foi completo, conseguiu se
estabelecer no campo da arte, poesia, música e se estabelecer frente ao regime
político vigente, diferente de outros momentos em que música servia em função
do entretenimento, o tropicalismo se completa enquanto movimento político e
arte.
BIBLIOGRAFIA
RIDENTI,
Marcelo. Em busca do povo brasileiro.
Rio de Janeiro: Record, 2000.
TINHORÃO,
José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. São Paulo:
Ed. 34, 1998.
[1] RIDENTI,
2000, p. 273
[2] Ibidem, 2000, p. 272.
[3] VIANNA,
2010, p. 133.
[4] RIDENTI,
2000, p. 279.