Mozart, sociologia de um gênio,
escrito pelo sociólogo e historiador cultural Norbert Elias é na verdade uma série
de textos posteriormente organizados por Michael Schröder e publicados no
formato do livro ano de 1991 com o título Mozart,
Zur Soziologie eines Genies, em 1994 a editora Zahar publicou a tradução da
obra em português constando 150 páginas. O posfácio
do organizador (pg. 141) indica que os textos sobre Mozart fariam parte de
um projeto maior que teria por título Der
bürgerlich Künstler in der böfischen Gesellschaft (O artista burguês na sociedade de corte). No posfácio do organizador estão descriminado todos os textos do
arquivo Elias que compuseram a obra Mozart,
sociologia de um gênio.
O livro está dividido em duas partes a Parte I intitulada reflexões sociológicas sobre Mozart,
subdividida em 7 partes (ele simplesmente
desistiu, músicos burgueses na
sociedade de corte, Mozart se torna
artista autônomo, arte de artesão e
arte de artista, o artista no ser
humano, os anos de formação de um
gênio, a juventude de Mozart – entre
dois mundos sociais), a parte II do livro tem quatro subdivisões (a revolta de Mozart: de Salzburgo a Viena,
completa-se a emancipação: o casamento de
Mozart, o drama da vida de Mozart,
uma cronologia sob a forma de notas),
além de conter Duas notas do
organizador, o posfácio do organizador e
o índice.
A problemática desenvolvida por todo o livro gira em torno do desejo de
Mozart querer ser um artista “emancipado”, porém numa sociedade que ainda não
estava pronta para artistas autônomos. Junto dessa problemática está o
desenvolvimento da vida de Wolfgang e da influência que seu pai Leopold exerceu
sobre ele.
O livro se inicia com a biografia de Mozart e como seus anseios começam a
surgir, Elias sugere que os desejos de Mozart “são responsáveis, em grande
medida, pelo curso trágico de sua vida”.[1]
Wolfgang Amadeus Mozart nasceu numa ocasião que “o gosto da nobreza de
corte estabelecia o padrão para os artistas de todas as origens sociais”,[2]
que o ofício de músico era como qualquer outro ofício de serviçal, não havia
espaço ainda para a “emancipação” do artista.
Leopold Mozart era um desses serviçais, era um burguês da corte, que não
tinha seu reconhecimento pleno como músico, foi um homem acostumado com a
subordinação. No capítulo Mozart se torna
artista autônomo, Elias aponta como Mozart não consegue se enquadrar no
padrão até então estabelecido, Mozart “antecipou as atitudes e os sentimentos
de um tipo posterior de artista”.[3]
“Mozart não assumiu a posição de “artista autônomo” apenas porque assim quis;
isso aconteceu porque ele, simplesmente, não suportava mais o trabalho na corte
de Salzburgo”. [4]
Norbert Elias expõe um Mozart que a história tradicional não está acostumada
a ver, o Mozart tradicional é o gênio e apenas gênio, o Mozart apresentado por
Elias traz suas angústias junto do seu desenvolvimento como ser humano. Em arte de artesão e arte de artista Elias
aponta para a função da obra de arte, no capítulo seguinte o artista no ser humano, o gênio por detrás do homem toma
constantemente a frente da perspectiva humana, “O sobrevivente, talvez, é que
Mozart sobrevivesse a sua perigosa fase como menino prodígio, sem que seu
talento tenha sido destruído”.[5]
Por outro lado “a relação entre o “homem” e o “artista” tem sido um
elemento especialmente desconcertante para muitos estudiosos, porque o quadro
que emerge das cartas, relatórios e outras evidências combina mal com o ideal
preconcebido”,[6] o Mozart
que Elias busca era o humano, o caráter genial não fica de fora da análise, mas
o homem por traz da obra vem à luz. Nesse ponto Elias expõe a “sublimação” que
muitas das obras de Mozart trazem em si, muitas vezes Mozart ouvia a peça
musical dentro de si, e ela ganhava forma[7].
Em os anos de formação de um gênio,
um amplo panorama de vida de Mozart é exposto, sua formação cada vez mais
rígida, a influência e os desejos constantes de Leopold aplicados a formação de
Wolfgang. [8]
Portanto, foi nessa escola que Mozart cresceu, ligado
a um pai para quem o sucesso social e financeiro do filho na infância e
adolescência representou a última e única possibilidade de escapar a uma
situação insuportável e alcançar o sentido e realização na vida.
Elias mostra como “Leopold fez da educação do filho o propósito dominante
de sua própria vida”. [9] Os
pontos desse capítulo, na qual Mozart foi submetido, são os estímulos, o
processo de sublimação, a autoconfiança que aos poucos Wolfgang foi ganhando, a
consciência de seu valor como artista e após todos esses pontos começa o
capítulo a juventude de Mozart – entre
dois mundos sociais.
As cartas trocadas entre Leopold e Wolfgang são os alicerces da sociologia de um gênio, através delas
percebemos como se dava a relação social de Mozart em seu tempo, com elas
Norbert Elias traça a trama sócio-cultural da sociedade da época de Mozart.
Nesse capítulo Mozart já na juventude ainda sofre influência do pai, porém
alguns traços de sua personalidade começam a ressaltar. Elias se preocupa com
alguns traços do humor de Mozart, suas piadas e suas primeiras paixões.
Até esse ponto o livro já aponta um Mozart que cresceu com uma angustia
de viver numa sociedade que os artistas não tinham reconhecimento, que a
influência do pai traçou seu rumo musical e representou uma esperança em
relação às dificuldades financeiras.
A revolta de Mozart: de Salzburgo a
Viena. “Em maio de 1781, a tensão entre Mozart, o irascível jovem músico, e
seu não menos irritável empregador e senhor, o arcebispo de Salzburgo, conde
Colloredo, transformou-se em conflito aberto”.[10]
Amadeus Mozart não escondeu sua insatisfação revoltou-se contra o
arcebispo e pediu-lhe a carta de demissão, assim se inicia a segunda parte do
livro.
Mozart não era mais um fenômeno, não era mais criança prodígio, tinha
atingido idade adulta, a sociedade exigia sempre algo novo, tinha 25 anos
quando pediu demissão e rompeu com o pai. Segundo Elias Mozart tinha um senso
de realidade limitado, [11]
seus atritos com o pai começa a influenciar suas obras.
Elias aponta os conflitos da música do artista e do artesão, ou seja, a
música do artista autônomo em contradição com a música artesanal da corte,[12]
mostra também que Mozart “tinha inaugurado outro deslocamento na relação de
poder”, quando não se submeteu a vontade dos cantores e compôs o que queria.
O penúltimo capítulo do livro completa-se
a emancipação: o casamento de Mozart, Norbert Elias mostra o ponto efetivo
do início da vida adulta de Mozart, com o casamento que o pai não aprovava, com
uma vida de músico autônomo, sem que conseguisse emprego em outra corte. Os
conflitos apresentados nas cartas são ainda maiores. Mozart estava ainda mais
inclinado nas óperas
A finalização do livro organizado por Schröter tem por título O drama da vida de Mozart: uma cronologia
sob a forma de notas. Aqui é apresentado o problema sociológico da
transição da arte de artesão para a arte de artista. Elias aponta a questão
para o processo de sublimação, e da
combinação do livre fluxo de fantasia, na qual Mozart fez parte e que o fez ser
um outsider, que o fez não se adaptar
na sociedade, que por sua vez esperava que ele fosse um subalterno, como todos
os outros músicos.
A vida de Mozart é apresentada em quatro “atos”, como a separação de uma
ópera. Norbert Elias resume a vida de Mozart em quatro atos.
Não se pode conhecer intimamente o artista sem que se conheçam suas
aflições e como ele se situava na sociedade, de fato a música de Mozart atinge
um grau elevadíssimo de “obra de arte”, contudo Norbert Elias expõe pontos da
personalidade do artista e o que o fez ser quem foi.
Notas: