Mayki Fabiani
A forma é observada e perpetuada em cânones que refletem épocas e estilos
dos mais diversos costumes e sociedades e o seu conteúdo é tudo quanto se
desenvolveu através do fazer e do apreciar.
A natureza artística é por muitas vezes sustentada através dos alicerces
oferecidos pela forma e pelo conteúdo, e assim a arte vem se perpetuando,
transformando e adquirindo novos conceitos.
Theodor Adorno que foi aluno de composição de Alban Berg observou algo
interessante em suas composições: “Sua música poderia nos ensinar agora não
aquilo com o que é preciso compor – estilo ou princípio –, mas a maneira pela
qual é preciso compor, o material emancipado que hoje pressupõe toda a música...”.
[1]
Todo o conteúdo de uma geração é transmitido à outra geração, que por sua vez é
reelaborado como fez Berg, que mesmo com laços fortes com o pós-romantismo,
pode dar novas formas ao conteúdo musical, portanto, a forma e o conteúdo são
elementos da reflexão prática do plano da matéria sonora.
A estética que foi fundada e nomeada em 1750, pelo filósofo alemão Alexander
Baumgarten, primeiramente concebida como “teoria da percepção, da faculdade
inferior do conhecimento e como complemento da lógica”,[2]
oferece processos reflexivos acerca da forma e do conteúdo. “A estética de uma
arte é a das outras; só o material é diferente” afirma Schumann,[3] o
material nesse sentido é o conteúdo quando tratado do que a arte está se apropriando
para seu próprio ser, o conteúdo sonoro é temporal e age no tempo a música se
forma ao mesmo tempo em que se esvai, ao ganhar forma é que se desfaz.
A forma e o conteúdo observados do plano de vista da estética são
elementos que transitam no belo e que
se transfiguram no gosto e, portanto não são imprecisos: “Na realidade
imperfeita que vivemos, os juízos de valor muitíssimas vezes não coincidem, e
não há normas segundo as quais se demonstraria sua exatidão ou falsidade, como
se demonstra um teorema matemático”.[4]
A estética de uma arte é a de outra, mas, a forma que cada arte em seu
observador é distinta, a forma que cada uma se eterniza no tempo e no espaço é
também de ampla singularidade, todavia uma sinfonia de Beethoven não surtirá a
mesma inércia que um quadro de Picasso, e mesmo assim elas compactuam de uma
mesma gênese, há nelas um sentido que excede sua própria representação.
O
conteúdo da arte é um mesmo conteúdo que tenta se reutilizar e ganhar novos
significados e valores, assim fez Wagner ao alcançar com seus ciclos de óperas
a máxima da estrutura e dos valores que após isso só restava a desconstrução de
toda a estrutura tonal levando Schoenberg a figurar o atonalismo.
Ainda sim qual seria o conteúdo da
música?
Com essa frase começa o capítulo VII
do livro de Eduard Hanslick “do belo musical”, ele expõe da seguinte maneira:
Tem a música um conteúdo?
Tal é a sua questão mais
candente, desde que existe o hábito de refletir sobre nossa arte. Foi decidida
pró e contra. Vozes importantes afirmam a ausência de conteúdo da música, vozes
que, na sua quase totalidade, correspondem a filósofos: Rousseau, Kant, Hegel,
Herbart, Kahlert, etc. São incomparavelmente mais numerosos os lutadores que
defendem o conteúdo da música; são os genuínos músicos entre os escritores e
são secundados pelo grosso da convicção geral.[5]
A questão do conteúdo em música foi
amplamente discutida, tamanha a imaterialidade que tem a música, mas como dito
acima, muitos são a favor do reconhecimento do conteúdo e como afirma Adorno
“em arte, tudo depende do produto do qual o artista é instrumento”,[6] o
juízo do conteúdo estaria fadado a ser sempre do observador da obra mais do que
do autor. A avaliação do conteúdo é refeita época após época e com diferentes
olhares e com diferentes valores.
O conteúdo da música não é o
sentimento expõe Hanslick, “o conteúdo de uma obra de arte poética ou plástica
pode expressar-se com palavras e reduzir-se a conceitos”, na música, “os sons e
a sua combinação artística seriam, pois, unicamente o material, o meio de
expressão, com que o compositor representa o amor, a coragem, a devoção, o
arrebatamento”,[7] “o único
e exclusivo conteúdo e objeto da música são formas
sonoras em movimento”,[8] a
matéria prima da música é o som, todas as artes são capazes de representarem
sentimentos através da matéria prima de cada uma.
De modo análogo, os
materiais elementares da música – tonalidades, acordes e timbres – são já em
sim caracteres. Temos também uma arte
de interpretação demasiado diligente para o significado dos elementos musicais;
à sua maneira, a simbólica das tonalidades de Schubert proporciona o
equivalente da interpretação das cores levadas a cabo por Goethe. [9]
A forma e o conteúdo estão atrelados a valores significantes e
complementares dentro dos diversos juízos críticos de cada arte e se fazem
presentes na crítica do valor da obra. A emancipação do sentimento propiciado e
muitas vezes mal compreendido do fazer artístico se deve ao desenvolvimento
tanto da forma quanto do conteúdo e da re-significação de cada um deles.
BIBLIOGRAFIA
ADORNO, Theodor
W. Berg: o mestre da transição mínima.
São Paulo: Editora UNESP, 2010
DALHAUS, Carl. Estética musical. Lisboa: Edições 70,
2003.
HANSLICK,
Eduard. Do belo musical: um contributo
para a revisão da Estética da Arte dos Sons. Lisboa: Edições 70, 2002.
ROSENFIELD,
Kathrin H. Estética. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.