terça-feira, 31 de julho de 2012

Forma e conteúdo: Reflexões



Mayki Fabiani

A forma é observada e perpetuada em cânones que refletem épocas e estilos dos mais diversos costumes e sociedades e o seu conteúdo é tudo quanto se desenvolveu através do fazer e do apreciar.
A natureza artística é por muitas vezes sustentada através dos alicerces oferecidos pela forma e pelo conteúdo, e assim a arte vem se perpetuando, transformando e adquirindo novos conceitos.
Theodor Adorno que foi aluno de composição de Alban Berg observou algo interessante em suas composições: “Sua música poderia nos ensinar agora não aquilo com o que é preciso compor – estilo ou princípio –, mas a maneira pela qual é preciso compor, o material emancipado que hoje pressupõe toda a música...”. [1] Todo o conteúdo de uma geração é transmitido à outra geração, que por sua vez é reelaborado como fez Berg, que mesmo com laços fortes com o pós-romantismo, pode dar novas formas ao conteúdo musical, portanto, a forma e o conteúdo são elementos da reflexão prática do plano da matéria sonora.
A estética que foi fundada e nomeada em 1750, pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten, primeiramente concebida como “teoria da percepção, da faculdade inferior do conhecimento e como complemento da lógica”,[2] oferece processos reflexivos acerca da forma e do conteúdo. “A estética de uma arte é a das outras; só o material é diferente” afirma Schumann,[3] o material nesse sentido é o conteúdo quando tratado do que a arte está se apropriando para seu próprio ser, o conteúdo sonoro é temporal e age no tempo a música se forma ao mesmo tempo em que se esvai, ao ganhar forma é que se desfaz.
A forma e o conteúdo observados do plano de vista da estética são elementos que transitam no belo e que se transfiguram no gosto e, portanto não são imprecisos: “Na realidade imperfeita que vivemos, os juízos de valor muitíssimas vezes não coincidem, e não há normas segundo as quais se demonstraria sua exatidão ou falsidade, como se demonstra um teorema matemático”.[4]
A estética de uma arte é a de outra, mas, a forma que cada arte em seu observador é distinta, a forma que cada uma se eterniza no tempo e no espaço é também de ampla singularidade, todavia uma sinfonia de Beethoven não surtirá a mesma inércia que um quadro de Picasso, e mesmo assim elas compactuam de uma mesma gênese, há nelas um sentido que excede sua própria representação.
            O conteúdo da arte é um mesmo conteúdo que tenta se reutilizar e ganhar novos significados e valores, assim fez Wagner ao alcançar com seus ciclos de óperas a máxima da estrutura e dos valores que após isso só restava a desconstrução de toda a estrutura tonal levando Schoenberg a figurar o atonalismo.
            Ainda sim qual seria o conteúdo da música?
            Com essa frase começa o capítulo VII do livro de Eduard Hanslick “do belo musical”, ele expõe da seguinte maneira:

Tem a música um conteúdo?
Tal é a sua questão mais candente, desde que existe o hábito de refletir sobre nossa arte. Foi decidida pró e contra. Vozes importantes afirmam a ausência de conteúdo da música, vozes que, na sua quase totalidade, correspondem a filósofos: Rousseau, Kant, Hegel, Herbart, Kahlert, etc. São incomparavelmente mais numerosos os lutadores que defendem o conteúdo da música; são os genuínos músicos entre os escritores e são secundados pelo grosso da convicção geral.[5]

            A questão do conteúdo em música foi amplamente discutida, tamanha a imaterialidade que tem a música, mas como dito acima, muitos são a favor do reconhecimento do conteúdo e como afirma Adorno “em arte, tudo depende do produto do qual o artista é instrumento”,[6] o juízo do conteúdo estaria fadado a ser sempre do observador da obra mais do que do autor. A avaliação do conteúdo é refeita época após época e com diferentes olhares e com diferentes valores.
            O conteúdo da música não é o sentimento expõe Hanslick, “o conteúdo de uma obra de arte poética ou plástica pode expressar-se com palavras e reduzir-se a conceitos”, na música, “os sons e a sua combinação artística seriam, pois, unicamente o material, o meio de expressão, com que o compositor representa o amor, a coragem, a devoção, o arrebatamento”,[7] “o único e exclusivo conteúdo e objeto da música são formas sonoras em movimento”,[8] a matéria prima da música é o som, todas as artes são capazes de representarem sentimentos através da matéria prima de cada uma.

De modo análogo, os materiais elementares da música – tonalidades, acordes e timbres – são já em sim caracteres. Temos também uma arte de interpretação demasiado diligente para o significado dos elementos musicais; à sua maneira, a simbólica das tonalidades de Schubert proporciona o equivalente da interpretação das cores levadas a cabo por Goethe. [9]

A forma e o conteúdo estão atrelados a valores significantes e complementares dentro dos diversos juízos críticos de cada arte e se fazem presentes na crítica do valor da obra. A emancipação do sentimento propiciado e muitas vezes mal compreendido do fazer artístico se deve ao desenvolvimento tanto da forma quanto do conteúdo e da re-significação de cada um deles.





BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Theodor W. Berg: o mestre da transição mínima. São Paulo: Editora UNESP, 2010
DALHAUS, Carl. Estética musical. Lisboa: Edições 70, 2003.
HANSLICK, Eduard. Do belo musical: um contributo para a revisão da Estética da Arte dos Sons. Lisboa: Edições 70, 2002.
ROSENFIELD, Kathrin H. Estética. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.





[1] ADORNO, 2010, pg. 16
[2] DAHLHAUS, 2003, pg. 16.
[3] Ibidem, 2003, pg 14.
[4] Ibidem, 2003, pg 16.
[5] HANSLICK, 2002, Pg. 97.
[6] ADORNO, 2010, pg. 97
[7] HANSLICK, 2002, Pg. 23.
[8] Ibidem, 2002, Pg. 42.
[9] Ibidem, 2002, Pg. 27.